27.7.05

Dream another dream

Sonhei que estava em um sotão repleto de quinquilharias. Havia pó por todo o lado e eu espirrei. Caminhando por entre os móveis antigos e caixas de chapéus me deparei com uma escrivaninha de madeira escura. Quatro pequenas gavetas enfileiravam-se no lado esquerdo do móvel. Puxei uma, puxei duas, puxei três. Estavam todas vazias. A quarta emperrou, não queria abrir. Forcei um pouco e ela cedeu. Dentro da gaveta encontrei um maço de cartas amarradas por uma fita de cetim. Sentei um uma caixa e abri a primeira delas. O papel estava amarelado, a tinta desbotada. Em uma delicada caligrafia feminina uma longa carta havia sido escrita. Ela iniciava assim:

"A quem interessar possa

Escrevo esta carta para contar como os últimos acontecimentos me entristeceram e moldaram minhas viagens. Desde sempre acreditei em arquétipos e já da primeira vez que o vi ficou claro que eu havia encontrado o meu. Dele são todas as lembranças que formam minha vida. Ou formavam. Neste instante não posso dizer que tenho qualquer forma. Posso apenas dizer que nada mais faz sentido".

Terminei de ler esse parágrafo e acordei. Hoje, meses após ter tido o sonho, ainda me pergunto que acontecimentos são capazes de moldar as viagens de uma mulher. Espero um dia poder terminar esta leitura.

12.2.05

Paracelso

Aquele que imagina que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo, como as cerejas, nada sabe a respeito das uvas.

3.8.04

A medida da auto-crítica

Qual será a medida da auto-crítica?

Chego a acreditar que não existe um equilíbrio. Existe a auto-crítica exacerbada e sua ausência total e irrestrita. Se está de um lado ou de outro, mas nunca no meio. Alguns oscilam entre um extremo e outro, mas em geral existe um lado preferido, aquele em que irremediavelmente caem.

Me pergunto quem sofre mais. O exacerbado sofre por antecedência, porque se castra, se tranca, não usufrui nunca de seus méritos. O ausente sofre a posteriori, ao finalmente dar-se conta de todas as oportunidades de aperfeiçoamento que deixou passar.

Acho ainda que as pessoas se agrupam de acordo com suas inclinações críticas. Os 'up tight' e os 'open wide'. Os opostos podem até se atrair. Mas não dou mais que 5 minutos pra que se odeiem de morte. Até a quinta geração.

Hummmm. Sabe o quê?

Mudei de idéia. Devem existir os 'cool like this' em alguma parte. É claro que existem. Eles tem noção do ridículo, mas não se deixam intimidar. Aprendem com seus erros e estimulam-se com seus acertos. Eles são cool like this!

6.6.04

Introducing Mr. George Hardem

Toda família tem suas histórias bizarras, causos estranhos e lendas a respeito dos antepassados. A minha tem várias, principalmente do lado materno. Afinal, é um pessoal que veio da fronteira, terra de ninguém, palco de disputas e destino de fugitivos. Pois a minha história preferida fala justamente de um fugitivo. É uma história fragmentada, com muitas lacunas, então eu as preenchi ao meu bel prazer...

Há muitos anos atrás, ainda no século XIX, existiu um comandante de navio chamado George Hardem. Ele era inglês, nascido em Londres. Não sei como passava seus dias, mas acho que quando não estava no mar, gostava de tomar uns chopps no pub e paquerar garotas no Picadilly Circus em domingos ensolarados.

Fora isso, era apaixonado pelo mar. Consigo imaginá-lo na proa do navio, de roupa azul, chapéu branco e cachimbo na boca, a olhar o horizonte sem fim. Nessas horas ele devia suspirar fundo e filosofar sobre a vida. Qual o sentido de tudo? De onde viemos? Para onde vamos?

Para onde ia George Hardem? Ele singrava os mares, aportava em novos lugares, conhecia muitas pessoas. Definitivamente, ele não podia reclamar da vida. Até que um dia...

Um dia, uma tempestade cruzou seu caminho. A tripulação corria aflita de um lado para o outro, os cavalheiros rezavam, as damas desmaiavam. Foi a maior tempestade que George enfrentou em todos os seus dias no mar, e estes não foram poucos. Ele usou todos os seus conhecimentos, todas as suas manobras, todos os seus homens. Mas o navio não resistiu. O casco rachou e o naufrágio era inevitável. Todos correram para os botes, onde ficariam a deriva, à espera dos barcos de resgate.

Naquela época, os códigos do mar eram severos. Esta aventura não teria um final feliz para George. Ele deveria afundar junto com o navio. Eram as regras. George sentiu um aperto no peito. Era um homem honrado, e como tal entendia que este era seu dever. Mas ele queria viver. Queria atravessar outros mares, conhecer outros países. Queria formar família, e passar para seus filhos o amor pelo mar.

Quando enfim todos deixaram a embarcação, George ficou sozinho na proa, olhando seu navio afundar lentamente. Parecia que este seria seu destino, ser engolido por aquele que mais amava. Ele olhou para os lados, e entre a imensidão do mar percebeu um pedaço de terra. Seu coração bateu mais forte, seria uma ilha? George não pensou mais, apenas jogou-se na água e nadou. Nadou, nadou e nadou, até o fim de suas forças.

Na manhã do dia seguinte, desmaiado, chegou à terra firme. Foi resgatado por nativos, que o animaram com água e essências e o levaram até o vilarejo. Eles falavam uma língua incompreensível, George entendeu apenas que estava no Brasil.

Uma semana depois, já recuperado, George se pôs a viajar. Seu vocabulário era formado por uma única frase: mim George inglês, não falar português. Mesmo assim, ele conseguiu chegar até Santana do Livramento, Rio Grande do Sul. Gostou da cidade. Ele foi até a venda da praça e tomou uma cachaça. Mulheres bonitas passeavam pelas ruas de chão batido e George pensou que talvez este fosse um bom lugar pra morar. A polícia britânica nunca o acharia por aquelas bandas.

Se comunicou com o dono da venda com mímicas e algumas palavras soltas, mas se fez entender. George queria saber aonde havia moças em idade para casar. O dono da venda apontou para uma casa no fim da rua. George agradeceu, pagou a bebida e saiu. Havia vento, mas o dia estava ensolarado. Ele inspirou fundo, sentindo o ar fresco encher seus pulmões e caminhou em direção a casa.

Chegando lá se apresentou da única maneira que sabia, "mim George inglês, não falar português". Não foi muito eloquente, mas George era um homem carismático, de sorriso aberto. O patriarca consentiu em lhe dar a mão da filha mais velha. Ela tinha ido lavar roupa no rio, mas voltaria em breve.

George aguardou tomando chimarrão. O patriarca falava muito, e George sem entender nada, apenas sorria e balançava a cabeça. Então ela chegou. Trazia uma trouxa de roupas na mão e os cabelos molhados enrolados no alto da cabeça. Ela era linda, e ao vê-lo abaixou os olhos timidamente. George se aproximou e pegou em sua mão. O patriarca lhe disse, "Bernardina, minha filha, esse gringo quer casar com você". Ela sentiu um frio na barriga, mas disfarçou. Disse apenas, "se o senhor meu pai assim quer, eu caso".

E George Hardem então casou-se com Bernardina Quines. Da união dos dois nasceram muitos filhos, inclusive meu bisavô. Gosto de pensar que foram felizes, se amaram muito e tiveram uma vida tranquila. A polícia britânica não apareceu por lá, mas George Hardem nunca mais voltou ao mar. Apenas à noite, em seus sonhos. Nesses sonhos ele voltava ao seu navio, deitava na proa, ficava olhando as estrelas e escutando o barulho do mar.

26.5.04

Pequeno trecho, grande insight

(...)

GUIL: But for God's sake what are we supposed to do!

PLAYER: Relax. Respond. That's what people do. You can't go through life questioning your situation at every turn.

GUIL: But we don't know what's going on, or what to do with ourselves. We don't know how to act.

PLAYER: Act natural. You know why you're here at least.

GUIL: We only know what we're told, and that's little enough. And for all we know it isn't even true.

PLAYER: For all anyone knows nothing is. Everything has to be taken on trust; truth is only that which is taken to be true. It's the currency of living. There may be nothing behind it, but it doesn't make any difference so long as it is honoured. One acts on assumptions. What do you assume?

(...)

Rosencrantz and Guildenstern are dead - Tom Stoppard

20.5.04

Dia 20 - Linha de Chegada

Então a maratona chega ao fim.

Quando planejei escrever um post por dia, há 20 dias atrás, achei que talvez ficasse pelo meio do caminho.

Vamos ver como ficam as coisas a partir de agora. Até.

19.5.04

Dia 18 - Preguiça e trapaça

Cansada de andar pra cá e pra lá, vou trapacear e usar essa formulazinha que achei:

1. Pegue o livro mais próximo de você;
2. Abra o livro na página 23;
3. Ache a quinta frase;
4. Poste o texto em seu blog junto com estas instruções.

........ ........ ........

Estas são as conclusões gerais que foram extraídas da minha imersão na cognição dos xamãs do México antigo. Anos depois da publicação de A Erva do Diabo, percebi que dom Juan havia me oferecido era uma total revolução cognitiva.

A Erva do Diabo - Carlos Castaneda

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18.5.04

Dia 18 - Finalmente

Me sinto como uma colegial no volta às aulas. Amanhã retomo minha condição de aluna presente.

Estou aqui, organizando cadernos, livros e polígrafos. Separando canetas. Escolhendo a roupa de amanhã. Ao invés de uma maçã para a professora, vou levar um atestado médico. E no lugar de contar como foram as férias, vou contar como foi o acidente.

Vai ser um dia puxado. Aula de manhã e de tarde, almoço no campus. Mas estou muito entusiasmada. Total colegial.

17.5.04

Dia 17 - textinho

Entrou no ar hoje a Trilha Revista Digital (www.trilharevista.com.br) Tem um textinho meu lá em colunistas.

Olhando agora, me pergunto se não soei um tanto fascista. Mas nada que justifique ameaças anônimas. Então, tá valendo.

16.5.04

Dia 16 - Feijão

Eu associo feijão com segurança e isso não é de hoje.

Tudo começou lá pelos 4 anos de idade. Ainda me lembro daqueles almoços, eu sentada sozinha na mesa, olhando pro prato de comida sem conseguir comer. Eu não sabia por que, só sabia que não conseguia comer.

A comida ficando fria e eu ali, olhando pro prato cheio. Minha tia então me dizia: "Lalinha, come três colheradas. Só mais três colheradas."

Era a minha deixa. Eu colocava as três colheradas na boca, saia da mesa e cuspia tudo no lixo. Isso acontecia todos os dias.

Descobriu-se enfim que eu tinha um problema na garganta e isso gerava dificuldades para engolir. Passaram a me dar massa com caldo de feijão e miraculosamente eu podia comer. Oh, que alegria. O meu vínculo eterno com o feijão havia se formado.

20 anos depois, descobri que tinha intolerância a lactose. Fiquei sabendo que precisava cortar leite e todos os seus derivados. Não achei que fosse ser difícil, mas foi. E como foi. Naquela época minha alimentação era basicamente laticínios, uma vez que eu era vegetariana.

Passei os primeiros meses faminta. Não sabia o que comer. Uma dieta vegana, sem carne e sem leite, é algo complicado, principalmente no Rio Grande do Sul. Agravando meu problema, raramente tinha tempo para comer em casa, então precisava me virar pelos restaurantes da vida.

E como eu sofria. Enchia os olhos de lágrimas quando chegava em um restaurante e via que não tinha comida pra mim. O primeiro que tive que abandonar foi o Ocidente, meu favorito na época. Outros tantos seguiram o mesmo caminho.

Me sentia indefesa, me sentia abandonada, me sentia assustada. Então ele veio em meu socorro. O feijão. Sim, novamente o feijão. Se ao passar os olhos pelos pratos eu encontrasse feijão, meus olhos sorriam porque eu sabia que estaria bem alimentada.

Declaro aqui minha gratidão incomensurável para com este grão magnífico. Oh, feijão, não me falte jamais.