27.2.04

Ainda Akhenaton

Os noticiários das 20 horas nos informam que, por ocasião do plano governamental de duplicação das auto-estradas e das vias de TGV no Hexágono, o INSEE e o INED, conjugando esforços, coordenaram uma grande pesquisa sobre a relação dos homens com a velocidade.

À pergunta "Por que deseja andar cada vez mais depressa?" as respostas foram as seguintes:

• Para chegar mais rápido até a frente da tela de TV: 20%
• Para me bronzear por mais tempo quando saio de férias: 12%
• Para encontrar a pessoa amada: 8%
• Para ler: 0,01%
• Não sei: 40%
• Não responderam: 19,99%

Aos que responderam "Para me bronzear por mais tempo", fez-se a seguinte pergunta:

• Por que gosta de bronzear-se?

Respostas:

• Para não pensar mais: 70%
• Para ficar mais bonito (ou bonita): 20%
• Não responderam: 10%

Àquelas e àqueles cuja resposta foi "Para não pensar mais", perguntou-se (questão aberta):

• Quando pensa, em que pensa?

Respostas:

• Em nada: 80%
• Em meus problemas financeiros: 10%
• Em meus problemas familiares: 10%
• No sentido da História: 1%
• Na história do sentido: 1%

Akhenaton

Por vezes, interrogo-me sobre a origem de nossa preguiça. O professor Jacques Sternberg, da Universidade Católica de Louvain, antropólogo, zoólogo e teólogo de reputação mundial, adianta uma hipótese interessante.

Segundo ele, Deus teria criado o gato à sua imagem. O gato fez-se, portanto, preguiçoso, visto que Deus, todo-poderoso não necessitara fatigar-se para criar o universo. Não querendo o gato fazer nada, criou Deus o homem para o servir.

Ao gato Ele dera suas qualidades: indolência, lucidez, sistema sensorial sofisticado; ao homem Ele deu neurose, dom da bricolagem, paixão pelo trabalho e vaidade.

Graças a tais qualidades subsidiárias, o homem, ao longo dos séculos, edificou uma série de civilizações baseadas na invenção, na produção, no consumo intensivo, as quais edificaram-se, combateram-se, destruiram-se todas uma à outra mas assumiram, apesar de suas impiedosas e sangrentas lutas, a missão de que haviam sido investidas pela potência divina: oferecer ao gato o conforto, a toca e a coberta.


Extraído de "Akhenaton: a história do homem contada por um gato". Traduzido do Siamês por Gérard Vincent.

14.2.04

Viver pra sempre

Começo esse post com uma revelação constrangedora. Deveras.

A diversão favorita das minhas amiguinhas aos 12 era se reunir para me ver chorar escutando "Forever Young" do Alphaville. Por algum motivo obscuro aquela música me emocionava muito.

Forever young, I want to be forever young
do you really want to live forever, forever and ever?

Quase 2 décadas depois, eu tenho uma resposta. Imagino que uma grande parcela da população mundial adoraria viver para sempre. Mas eu não.

A princípio parece uma boa idéia. E nos oferecem uma visão tão romântica da vida eterna em filmes, livros, desenhos animados. Então eu resolvi imaginar como seria essa vida. Ivenka Highlander.

Os primeiros 100 anos foram muito divertidos. Tempo de sobra pra ler todos os livros que deixei acumular, viajar o mundo, conhecer pessoas, formar laços, me maravilhar, rir e muito mais.

O segundo século foi um pouco mais triste. Todos os que eu conheci e amei estavam irremediavelmente mortos. Já conhecia o mundo todo, apesar de que senti um prazer nostálgico em rever certas cidades e lugares. The books kept coming e a tecnologia não parou de me surpreender. Tudo muito rápido, de uma forma quase esquizofrênica, mas ainda asssim estimulante.

Aos 300 anos as coisas não foram nem excitantes nem tristes. Tudo o que eu consegui pensar foi no tédio infindável e no que podia fazer para afugentá-lo. Não me dei mais ao trabalho de me envolver com as pessoas, elas vem e vão mais rápido do que a dor de perdê-las. O planeta virou uma bola fumacenta com o termostato insanamente desregulado. Fiz todas as palavras cruzadas da Biblioteca Intergalática e enjoei do gosto de sorvete. (!)

No quarto século me apaixonei. De repente esta Terra árida recuperou a cor. Casei, procriei e fui pateticamente feliz. (Re)conheci o mundo ao lado dele, cantei, sonhei. Ele viveu bastante, graças aos avanços da medicina preventiva, mas irremediavelmente acabou morrendo. Mais algumas décadas e nossos filhos também se foram.

Os 500 anos foi uma época melancólica, dividida entre a saudade dele e a resignação. Sem vontade de fazer nada, passei décadas deitada, vendo TV e observando meus 20 gatos. Que saco essa vida eterna!

Visualizei os próximos séculos como uma bruma insossa, um cansaço infinito e um desejo de não ter desejado viver pra sempre. É, um século tá de bom tamanho pra mim.

10.2.04

Cartoon Network

Eu tenho essa teoria sobre desenhos animados e a formação da visão de mundo. Uma teoria meio desacreditada, é verdade. Mas eu acho que faz um certo sentido. It goes like this:

As crianças assistem desenhos animados no auge da fase em que estão apreendendo o mundo e criando referenciais. Deve existir uma relação direta entre o que assistem e o que acreditam.

Vou citar meu triste exemplo. Eu cresci assistindo Pica-Pau e Cia Ltda, Tom & Jerry e afins. Isso me tornou incapacitada para lidar com a noção de permanência da morte. Quando se morre, se continua morto. Pelo menos é o que dizem. Mas não foi o que eu aprendi vendo esses desenhos.

Estou sendo dramática? Acompanhem o desenrolar dos eventos.

Um rolo compressor passa em cima do Pica-Pau, o coitadinho fica todo achatado e mortinho. Mas é só soprar o seu dedão que ele volta ao normal.

O Coiote cai de um abismo gigantesco. Chega lá em baixo todo esmagado. Oh, o Coiote morreu! Não, o Coiote não morreu. Ele se descola do chão, sacode a poeira e era isso.

E aí vem bombas, marteladas, quedas, facadas, cofres na cabeça, veneno e tudo o mais. O que acontece? Nada! Estão todos vivos. E nem doeu.

Como esperam que a pobre Ivaninha acredite na permanência da morte? Como querem que eu acredite na permanência do que quer que seja? No way!

Talvez eu com minhas esquisitices não seja o melhor exemplo para generalizar reações geracionais. Confesso que ainda não encontrei outro expectador do Pica-Pau com o mesmo problema.

Mas vamos combinar, essas crianças que passam o dia assistindo Cartoon Network definitivamente vão se tornar adultos absurdamente sarcásticos...

9.2.04

Back in business

I now declare this weblog reopened.