21.8.03

Uma história de Amor

Vasculhando as estantes da casa da minha mãe, encontrei o livro que tantas vezes escutei na minha infância: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: Uma História de Amor. Jorge Amado escreveu-a para seu filho João Jorge em 1948, quando o menino completava um ano de idade. A história ficou perdida até 1976, quando João Jorge "bulindo" em coisas guardadas, finalmente a encontrou. Assim como eu remexendo as estantes da minha mãe.

Pedi permissão e o querido livrinho, já gasto, amarelado, foi direto pra minha bolsa. Encontra-se agora na cabeceira da minha cama. Está novamente sendo lido. Está vivo! Vez que outra o Filippo, meu gato malhado, deita sobre ele e me olha com seus olhos cor de cobre, ignorando a poética redundância de seu ato.

Não consigo conter a vontade de postar um trecho do livro, então transcrevo boa parte dos primeiros parágrafos da introdução. Em que a Manhã conta para o Tempo a história que o Vento lhe contou. A história da história de amor do Gato Malhado e da Andorinha Sinhá. Eis-la.


Madrugada

A Manhã vem chegando devagar, sonolenta; três quartos de hora de atraso, funcionária relapsa. Demora-se entre as nuvens, preguiçosa, abre a custo os olhos sobre o campo, ai que vontade de dormir sem despertador, dormir até não ter mais sono!

(...)

Com um beijo, a Manhã apaga cada estrela enquanto prossegue a caminhada em direção ao horizonte. Semi-adormecida, bocejando, acontece-lhe esquecer algumas sem apagar. Ficam as pobres acesas na claridade, tentando inutilmente brilhar durante o dia, uma tristeza.

Depois a manhã esquenta o Sol, trabalho cansativo, tarefa para gigantes e não para tão delicada rapariga. É necessário soprar as brasas consumidas ao passar da Noite, obter uma primeira, vacilante chama, mantê-la viva até crescer em fogaréu.

Sozinha, a Manhã levaria horas para iluminar o Sol, mas quase sempre o Vento, soprador de fama, vem ajudá-la. Por que o bobo faz questão de dizer que estava passando ali por acaso quando todos sabem não existir tal casualidade e sim propósito deliberado?

Quem não se dá conta da secreta paixão do Vento pela Manhã? Secreta? Anda na boca do mundo.